Foi naquela tarde de verão numa roda de amigos que eu tomei meu primeiro gole. Tinha 14 anos e mesmo não gostando do gosto da cachaça ingeri bem mais álcool que os outros cinco ou seis colegas que participavam daquela rodinha de fogo sentindo-me deveras confortável. Depois fiquei sabendo que os únicos que não passaram mal fui eu e um outro, que futuramente tornou-se um dos meus parceiros inseparáveis de copo, mas que hoje já não vive fisica-mente entre nós, pois morreu prematuramente pela ingestão exagerada da bebida. Os demais, por não terem - hoje eu sei - a predisposição ao alcoolismo, não passaram da primeira ressaca e nunca mais beberam ou até hoje bebem socialmente.
A partir daquele dia, descobri que o álcool elevava meu astral trazendo um prazer incontestável, aumentando minha felicidade nos momentos de alegrias já exultantes e me dando confiança nas horas de dificuldades, tão normais em toda adolescência. Esquecia a timidez, possuía um círculo enorme de amizades e por outro lado, era respeitado pelas pessoas mais temidas do bairro. Se bem que naquela época, fisicamente, mentalmente e espiritualmente ainda estava bem, pois praticava esportes, tinha um bom emprego, frequentava a minha religião de opção, estava sempre em paz com a família e amigos. Mas, tudo sob o efeito da bebida. Tinha nas mãos os elementos essenciais que norteiam o ser humano para estar em harmonia com a vida, porém, havia um problema: a bebida. Progressivamente ela foi me envolvendo a ponto de ser a única conselheira para as minhas decisões e uma delas foi optar pelo bar aos estudos.
Veio meu casamento, que no início me fez desfrutar de um aparente controle sobre a bebida. Vieram os filhos e apesar de amá-los tanto e achar que era bom pai, hoje também sei que não o fui. Quando as portas do boteco abriam, fechavam-se as portas da minha casa resultando nas tantas vezes que esqueci a minha condição de chefe de família. Cada vez mais fui sofrendo os efeitos da instabilidade emocional do dia seguinte quando o sentimento de culpa me assolava. Esvaiam-se minhas qualidades, ficando cada vez mais nítida a minha dupla personalidade. Por isso eu bebia mais e mais para esquecer, para fugir não sabia direito de quê e ao mesmo tempo encontrar uma solução para os meus problemas, que na minha cabeça eram os outros que causavam.
Então eu magoava minha esposa, meus filhos e demais pessoas que realmente me amavam e eu a elas. Os bares da vida se tomaram minha obsessão e por mais que tentasse frear aquele feitiço de nada adiantavam as promessas para largar o "vício", porque a bebida sorrateiramente fazia com que o torpe desejo chegasse aos meus ouvidos em forma de sussurros:"tome só mais es-sa, um gole apenas, só hoje...”
A senha alcoólica do meu subconsciente era: "você bebe socialmente, certo?"
Sim, essa era a senha para a entrada nos botequins e mais uma vez eu caia na armadilha dizendo comigo mesmo: "quando eu quiser, eu paro!".
Pedia a Deus uma luz, mas nem com o fim de um casamento de onze anos e a perda de um emprego de dezoito anos eu admiti minha derrota.
No final de 2003 sentado em minha cama, alguma coisa mudou no meu ínti-mo. Pensei em mim e em meus filhos de uma maneira como jamais havia pensado e só quem teve um despertar espiritual pode definir com aproximada clareza o que eu senti. Uma esperança, uma espécie de conforto brotou do fundo da minha alma. Hoje sei que Deus se manifestou em mim, ali, naquele momento, devolvendo-me a fé que no tempo se perdera e, apesar da com-pulsão pela falta da bebida, que por tantos anos me acompanhara chegando a ludibriar até o meu instinto de sobrevivência fiquei por alguns dias abstêmio.
A pedido de minha mãe, numa noite de luar, chegaram à minha casa os men-sageiros de Luz de Alcoólicos Anônimos, que para a minha surpresa eram conhecidos meus da ativa e estavam sóbrios há muitas 24 horas. Foi nesta abordagem, que com total convicção admiti minha impotência alcoólica e a perda do domínio sobre minha vida. Reconheci finalmente que sozinho eu não conseguiria nada e aceitei assistir à primeira reunião.
Foi lá no Grupo que aprendi que não bastava só parar de beber, mas que tam-bém deveria estar disposto a reparar e modificar minhas atitudes negativas do passado. Era a luz no final do túnel que eu procurava para meu renascimento.
E assim vou vivendo... Evitando o 1º gole só por hoje; estou sóbrio aprendendo a viver à maneira de A.A. sugerida nos Doze Passos e recuperando o respeito das pessoas que eu magoei.
De 24 em 24 horas pratico os princípios de A.A. em todas as minhas atividades agradecendo a Deus a benção por ser agora um de seus escolhidos para levar a mesma mensagem que me resgatou do labirinto da negação e da incoerência, causados pela minha doença.
Muitas 24 horas de serena sobriedade e que Deus nos abençoe.
Fonte: Revista Vivência nº 109